quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Aos 90 anos, ex-soldado da borracha percorre ruas vendendo peixe no AC

José Soares é cearense e chegou ao Acre aos 20 anos de idade.
PEC dos soldados da borracha tramita na Câmara desde 2002.

Caio FulgêncioDo G1 AC
Acre Soldado da Borracha (Foto: Caio Fulgêncio/G1)Ex-soldado da borracha, José Soares complementa a renda com da venda de carnes em Rio Branco
(Foto: Caio Fulgêncio/G1)
 
Aos 20 anos de idade, o nordestino José Soares da Silva Filho, saído de Limoeiro do Norte (CE) chegou ao Acre para trabalhar como soldado da borracha [nome dado aos brasileiros recrutados para trabalhar na Amazônia com o objetivo de extrair borracha para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial]. O ano era 1943. No cenário mundial, a Segunda Grande Guerra (1939-1945) modificava, direta ou indiretamente, a realidade de todos os países.
 
A Batalha da Borracha ocorreu após a entrada do Japão na Segunda Guerra e o bloqueio do fornecimento da borracha produzida na Malásia aos países Aliados. Diante disso, o governo norte-americano em busca de novas formas para adquirir o produto, decide investir nos seringais brasileiros.
 
Os soldados da borracha foram os brasileiros convocados pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta) para trabalharem na extração de borracha. Após a Constituição de 1988, eles passaram a garantir direitos iguais aos combatentes da Itália, inclusive recebendo uma pensão no valor de dois salários mínimos. Atualmente lutam pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 556 (PEC) que propõe o aumento da pensão para sete salários mínimos.
 
Com tranquilidade, o ex-seringueiro lembra como era o serviço desempenhado por ele e por tantos outros que chegaram à Amazônia durante a Batalha da Borracha. "O trabalho no seringal era riscar a seringa para tirar leite e fazer a borracha, para ir aos navios couraçados e para aviões. Tudo precisava de borracha", lembra o aposentado.
 
Soares deixou família e tudo o que conhecia na terra natal para fazer parte de um dos principais marcos da história do Acre.
 
Com uma memória impecável, o ex-seringueiro descreve minuciosamente o trajeto percorrido. "Saí de Limoeiro de caminhão até Teresina (PI). De Teresina para São Luís (MA) de trem. Quando nós chegamos a São Luís, o navio já estava no porto. O navio passou 1 mês ancorado, com todos os 'arigós' dentro, uns 3 mil homens", relata Soares.
 
Após a chegada a Belém (PA), o ex-soldado da borracha descreve a viagem pelo rio Amazonas, até Manaus (AM) e de lá, até Tarauacá (AC). Em seguida, partiu direto para o interior da floresta para a sua colocação, local onde o seringueiro morava no seringal.
 
Acre Soldado da borracha (Foto: Caio Fulgêncio/G1)
O ex-seringueiro chegou ao Acre aos 20 anos
(Foto: Caio Fulgêncio/G1)
 
"Ninguém tinha medo da guerra no seringal, a gente já tinha quase perdido os sentidos. Só produzia a borracha e mandava. O seringalista tinha o comboieiro que ia buscar a borracha. Depois vinha a conta para nós. Se desse saldo, o seringalista descontava o que a gente devia e a mercadoria que a gente comia", declara.
 
José Soares casou-se aos 24 anos e teve 10 filhos. Apenas seis estão vivos. Os outros morreram ainda no seringal, de onde saiu somente com 65 anos de idade. "Eles morreram de doença. Em seringal, negócio de remédio é difícil. O que mais me ajudava morreu com 12 anos. Os outros morreram pequenos", lembra. Hoje, a esposa, com 89 anos, se trata de problemas de saúde em Porto Velho (RO).
 
Apesar de não trabalhar mais na selva amazônica, a vida do ex-soldado está longe de ser tranquila. Para complementar a renda, Soares anda com a sua bicicleta pela capital acreana vendendo carnes variadas. "Eu não vendo muito ruim não. Vendo mais fiado, dentro dos colégios para o pessoal da segurança. É mais seguro", falou.
 
Batalha da Borracha (1942-1945)

 O historiador Marcus Vinícius conta de que forma ocorreu o acordo entre EUA e Brasil para o envio de borracha ao país. "Em 1942, o governo norte-americano faz um acordo com o governo brasileiro, o Acordo de Washington, em que o governo brasileiro se comprometeu em colocar toda a mão-de-obra possível e necessária para reativar a produção da Amazônia e o governo dos EUA se comprometeram em financiar isso", explica.

 
De acordo com o historiador, o alistamento era feito para os jovens, principalmente do nordeste, com a promessa de que eles seriam soldados como os pracinhas, que foram para a Itália. Porém, morreram mais brasileiros na Amazônia do que na Itália.
"Dos 20 mil soldados que foram lutar na Itália, morreram 454. A gente estima que vieram para a Amazônia entre 55 e 65 mil homens e mulheres, desses, a metade morreu. Morriam pelos mais diversos motivos: péssimas condições de transporte, de alojamento, alimentação deficiente, meio hostil que eles não conheciam", descreve.
 
Acre Soldado da borracha (Foto: Caio Fulgêncio/G1)
Adenir Cardoso começou a trabalhar na produção
da borracha aos 7 anos (Foto: Caio Fulgêncio/G1)
 
Essa mesma lembrança tem Aldenir Cardoso, de 80 anos, que se considera 'filho do Acre'. Aos 7 anos começou a trabalhar na produção de borracha. "Meu pai veio para cortar seringa. Chegou, se casou e me teve. Só que ele pegou uma malária, inchou e morreu. Quando ele morreu, eu era muito pequeno. Eu não tenho lembrança dele, só sei o que mamãe contava.
Ele era muito trabalhador, valente para tudo. O dia a dia do seringal é muito difícil", comenta.
O fim desse período na história amazônica se deu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Com a rendição do Japão, após os atentados de Hiroshima e Nagasaki, os EUA romperam o acordo e voltaram a comprar borracha na Ásia, por causa do preço mais barato.
Reconhecimento
A luta dos ex-soldados da borracha tem sido pelo reconhecimento. A PEC 556 tramita na Câmara Federal desde 2002. A proposta original é que os seringueiros seriam reconhecidos como ex-combatentes e receberiam o equivalente a 7 salários mínimos mais abono. Atualmente, o benefício é de 2 salários.
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Para Marcus Vinícius, a PEC já deveria ter sido votada há muito tempo, porque foi prometido aos soldados da borracha que eles seriam tratados iguais aos pracinhas.
"Por 60 anos esse direito foi negado, eles não ganharam nada, nenhuma indenização, nenhuma pensão, nem aposentadoria especial. Só na constituição de 1988 que eles ganharam essa aposentadoria de dois salários mínimos. Foi uma injustiça histórica cometida, de uma certa forma, um estelionato do governo brasileiro e norte-americano", diz.
Luziel Carvalho, presidente do Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e Soldados da Borracha do Estado do Acre (Siacre), acrescenta a importância de também ser assegurado o benefício aos familiares daqueles que já faleceram. "Os filhos dos soldados da borracha, que ainda estão vivos, são pessoas que viveram toda a infância nos seringais e tiveram negados os direitos à educação e à saúde de qualidade", finaliza.
 
fonte: g1 ac

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